Cegos no cinema sim! Pelo fim do preconceito e da inclusão através da Audiodescrição.

Parece cego no cinema. Quem nunca ouviu essa frase ao menos uma vez na vida? É uma expressão que encontra "sentido" no absurdo que seria um cego ir ao cinema, uma vez que o mesmo não enxerga, e me remete logo a minha infância, lá pelos anos 90.  Talvez a expressão tenha se perdido num limbo, até porque tem já uns anos que não a escuto ser dita. E isso é algo positivo, afinal ela está absurdamente mergulhada em um preconceito no sentido mais literal possível. O preconceito (no sentido literal de um pré-conceito) é um juízo formado previamente, sem uma base de conhecimento, e que de modo pejorativo representa toda forma de discriminação. Muitos não entendem que o cinema é lazer para os cegos também, afinal não é a limitação da visão que vai tornar impossível a apreciação de uma obra cinematográfica por parte de um deficiente visual. Segundo dados levantados recentemente pela Organização Mundial de Saúde (OMS) há no Brasil aproximadamente 1,2 milhões de cegos, além de outros 4 milhões de brasileiros tem alguma deficiência visual moderada ou grave. Mas por quê diabos eu estou abordando este tema? Tudo começou com uma imagem compartilhada na página de um grupo no Facebook. A imagem, mostrava sentados em uma sala de cinema vários personagens da Marvel e da DC Comics que tiveram filmes baseados em seus quadrinhos. Entre eles o Superman, o Batman, Hulk, Hellboy, Wolverine e tantos outros. Mas a imagem destacava o Demolidor (Daredevil no original), famoso herói cego da Marvel que recentemente ganhou uma série pela Netflix. O problema no destaque do icônico homem sem medo é a frase do personagem em um balão que diz "nem sei o que to fazendo aqui". Como assim não sabe? Se está numa sala de cinema deve estar lá para assistir um filme. Não bastasse isso, os comentários satirizando o personagem e sua deficiência brotaram como gremlins molhados. Para tentar encerrar as piadas perguntei se nunca tinham ouvido falar em algo chamado audiodescrição. Como prosseguiram as piadinhas eu creio que não. Abaixo, vocês conferem a já citada imagem que me deu a ideia para esta postagem. 




Pois bem, prosseguindo com o que importa, eu conversei com alguns amigos a respeito e eles se quer sabiam que existia audiodescrição. Foi aí que me veio a mente a triste certeza que este não é um tema tão explorado quando o assunto é inclusão. Recentemente foi aprovada pela câmara dos deputados a lei 7699/06 acerca da busca garantir acesso das pessoas com deficiência às diversas esferas da vida social. Já o artigo sexto de nossa constituição federal diz que "São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição". Ou seja, todos temos direito ao lazer. É o que diz a constituição. Há quem curta um futebol, uma praia, show e outras coisas do tipo. Eu prefiro o bom e velho cinema. Sou frequentador assíduo! Foi aí que me coloquei no lugar do deficiente visual. Fechando meus olhos e apenas ouvindo. A percepção não é a mesma. Há a associação entre as falas mas não há a associação com a ação refletida nas imagens. O cinema é uma produção de áudio e visual, que se encaixam para nos proporcionar uma experiência. Penso que para um deficiente auditivo é mais fácil a interação com essas mídias, seja pelo uso da linguagem de sinais (que vemos geralmente em transmissões de programas religiosos) ou mesmo o uso da legenda. Mas o deficiente visual, vulgo cego, acaba muitas vezes sendo excluídos de tais experiências pela falta de um simples recurso chamado audiodescrição. 

Audiodescrição é descrita como sendo um recurso sonoro, uma faixa narrativa que é adicionada na forma de um narrador, que durante as ações transcorridas descreve entre os diálogos o que está acontecendo em cena. Por exemplo, a ambientação da cena, incluindo figurinos, alterações físicas, de tempo e de espaço e até mesmo expressões corporais, que vão desde expressões faciais a trejeitos de um personagem; e também inclui leitura de créditos, títulos e qualquer outra informação que possa aparecer escrita na tela. Deste modo, quem está assistindo ao filme pode receber a informação que é transmitida visualmente através do áudio e é aí que se estabelece a experiência de poder aproveitar um bom filme tanto quanto alguém que enxerga. Lembra a série do Demolidor que citei a pouco? A Netflix nos Estados Unidos a disponibilizou com este recurso de audiodescrição. Creio que seria interessante se eles disponibilizassem este recurso para toda a programação e não apenas limitado a série, e também que o recurso existisse em outros mercados além do americano. Já no Brasil foi instituída no dia 1º de julho de 2011, quase quatro anos atrás, a obrigatoriedade de emissoras de TV com sinal aberto e transmissão digital ter em seu conteúdo pelo menos duas horas semanais de conteúdo com audiodescrição na condição de faixa de áudio adicional. Ou seja, das 168 horas existentes em uma semana pelo menos duas horas tem de ter o recurso. Já é um começo referente a inclusão, mas ainda assim é muito pouco. Recentemente a Band estreou em sua grade a telenovela turca Mil e Uma Noites, primeira produção televisiva da Turquia a ser exibida na TV brasileira. A novidade da telenovela é que foi a primeira a ser exibida com a disponibilidade da audiodescrição. Infelizmente no cinema as coisas estão ainda mais devagar. Antes de escrever esta postagem entrei em contato com a UCI e o Cinemark, as duas maiores redes de cinema na cidade, a respeito da disponibilidade do recurso em suas salas aqui em Recife. Em ambos os caso recebi e-mails que me diziam que não havia o recurso e nem mesmo uma previsão para tal, mas que minha sugestão seria encaminhada ao departamento responsável. Espero que tenha conseguido esclarecer alguns pontos aqui com este texto e que nossos cegos não sejam num futuro breve tão excluídos como são agoraPara quem tiver a curiosidade de assistir algo com este recurso pode ir no YouTube, onde há vários vídeos. Abaixo você confere um episódio do seriado Chaves transmitido com audiodescrição. 







Comentários

  1. A iniciativa é muito boa mesmo, penso que cá em Portugal não se fala muito do assunto ainda. Mas sou a favor da inclusão dos cegos como qualquer outra pessoa :)
    Beijinhos**

    http://designforstyleblog.blogspot.pt/

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